Glória Somente a Deus
“Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi o seu conselheiro? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!” (Romanos 11.33-36)
Quando pensamos em glória de Deus, e exclusivamente dada a ele, pensamos de forma bíblica. Precisamos nos lembrar, no entanto, que nossa natureza tentará nos carregar para longe disso, no que seremos muito auxiliados por uma vida de santidade que nos conduza dia após dia a uma transformação constante. Conta-se que o grande musicista e compositor Johann Sebastian Bach (1685-1750) teria dito que “o único fim, o único objetivo de toda música é o louvor a Deus e a recreação da alma. Quando isso se perde de vista, não pode haver mais verdadeira música, restam somente ruídos e cantarolados infernais”. Mais adiante, ele teria ainda afirmado: “sempre mantive uma finalidade à vista, quer dizer, com toda boa vontade para conduzir uma música de igreja bem regulada para a honra de Deus”. Sua biografia e sua musicografia nos mostram que ele levou a sério o que falava. Ao final de suas composições, costumava assinar com as iniciais “J.J”, (do latim Iesus Iuva, que quer dizer “Jesus, ajude-me”) e encerrava com “S.D.G” (Soli Deo Gloria).
1. Nosso autoexame. Quando fazemos um criterioso autoexame com respeito às coisas mais simples de nossa vida cristã, podemos honestamente perceber se estamos mesmo prestando culto de vida a Deus ou tentando nos colocar como alvo do louvor que é devido somente a ele. Em outras palavras, a pergunta que está por detrás dessa consulta que precisamos sempre nos fazer é “quem deve ser realmente glorificado?” Ora, como crentes, não teremos dúvida em responder com nossos lábios que somente Deus deve e pode ser glorificado. Mas nossa natureza caída por vezes nos prega peças e nós podemos falar com os lábios palavras que ainda precisam de confirmação de nossa vida e nosso testemunho. A resposta à pergunta é “o Deus soberano”, ou alguma resposta que identifique que estamos falando do Deus da Bíblia. Comentando à Carta de Paulo aos Romanos, James Montgomery Boice diz que “na maioria das vezes, começamos com o homem e suas necessidades, ao passo que Paulo sempre começa com Deus e termina com Ele também.”1 Talvez esse seja o nosso dilema, por causa de nossa realidade de criaturas caídas: primeiro nós mesmos e, sem seguida, o resto (incluindo Deus). O Breve Catecismo de Westminster nos lembra que o “primeiro mandamento é: ‘Não terás outros deuses além de mim’”. Logo em seguida, na resposta à pergunta 46, vemos que o primeiro mandamento nos comanda a “conhecer e reconhecer a Deus como o único Deus verdadeiro, e nosso Deus; e como tal adorá-lo”, e em seguida o tema é encerrado dizendo o que nos proíbe o primeiro mandamento: “… negar, ou deixar de adorar ou glorificar ao verdadeiro Deus, como Deus, e nosso Deus; e dar a qualquer outro a adoração e a glória que só a Ele são devidas”2. Ao fazermos nosso autoexame em contraste com a Escritura e com nossos símbolos de fé, poderemos objetiva e conscientemente responder que apenas o Senhor Deus deve ser glorificado e os nossos esforços, bem como o auxílio do Espírito Santo, nos direcionam a isso.
2. Cobrança indevida. Se por um lado podemos nos colocar em certa displicência com respeito a nossa vida espiritual, por outro, podemos exagerar para o extremo contrário, agitando o nosso coração como se fôssemos capazes de fazer a obra de Deus por nossos próprios meios e esforços. Isso ocorre quando nos lançamos num ativismo nas coisas de Deus e da igreja em que estamos, sendo que isso geralmente é impensado e parte de nossa boa intenção de ser gratos a Deus por tudo que ele tem feito por nós. Mas o fato é que se a obra é feita por nós e queremos manter sobre nós a operosidade dela, um dia nosso coração poderá se tornar jactancioso e se ensoberbecer pelo simples fato de vermos a obra de nossas mãos prosperando. Podemos começar a contar as vezes em que fomos motivo de bênção, quando socorremos o próximo, quando auxiliamos na igreja, quando pregamos e vimos as pessoas respondendo: vejamos que tudo isso é bom e lícito, desde que saibamos o nosso lugar em tudo, ou seja, fomos o meio, apenas o instrumento, mas a obra e a ação no coração do outro é do Espírito Santo. Nosso coração nos engana3 todo o tempo e precisamos estar atentos ao que ele quer nos induzir. Precisamos descansar no Senhor, aquele Deus que temos aprendido a honrar e glorificar. E por qual razão o faríamos dessa maneira? Paulo nos lembra mais uma vez em Romanos 11.36: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém!”
3. Em quem está nossa alegria? A nossa alegria está pautada no Senhor, mas somente temos plena consciência disso conforme andamos com ele e nos habituamos a perceber sua boa mão nos conduzindo através da jornada. E a nossa alegria, que procede do Senhor, precisa estar no reconhecimento de nossa dependência dele e de seus atributos perfeitos e eternos. Quanto mais e mais corretamente adoramos a Deus, mais seremos alegres, porque a nossa alegria não se pauta nas coisas desta vida, mas naquelas que procedem do Senhor. Antes de tudo, lembremos que a alegria é parte do fruto do Espírito Santo em nossa vida4, o que nos deixa em posição mais que privilegiada em relação às pessoas que nos cercam e que ainda não conhecem o Senhor como Salvador pessoal: diante das agruras da vida, elas tendem ao desespero, enquanto nós tendemos à esperança nas ações de Deus e em seu livramento. Essa mesma alegria que procede de Deus nos fortalece5 e não nos deixa sucumbir diante das dificuldades da vida. Ao final de tudo, somente aqueles que se tornam filhos de Deus e nele são alegres podem honrar e glorificar a Deus de tal forma que ele aceite a adoração, o que redundará em glória ao seu santo e bendito nome. Por isso finalizamos este trecho com a resposta dada pela Escritura: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (Efésios 1.3-6).