Era uma vez… – O fim da imaginação

Nossos dias são complicados de verdade. Tão complicados que a imaginação escorreu pelo ralo. Todos sabem que a mente humana, diferentemente da mente animal, tem enorme capacidade para a criação e a narrativa. Mas parece que as pessoas de hoje, tão crédulas que são na evolução das espécies, resolveram acreditar e agir de forma a provar que a espécie humana está involuindo, andando para trás, indo de volta à bestialidade e barbárie que eles próprios creem em que já estivemos. 

Uma das provas de nossa habilidade diferenciada é a capacidade que temos de contar histórias. Aliás, a Bíblia nos traz inúmeras histórias: estou certo que Deus sabia que contar histórias nos faria entender melhor e guardar mais informações. Ao longo de muitos séculos e milênios, a nossa espécie tem desenvolvido muitas e muitas obras que, com a capacidade de registro escrito, tornaram-se patrimônio de nossa história e passaram a compor um tesouro de valor inestimável. Falar de contos, fábulas, narrativas fantásticas, histórias reais e verídicas: tudo nos faz recorrer a uma memória coletiva que não pertence a este ou aquele sujeito, mas a toda a espécie humana. Tanto faz ser maravilhado pelos contos dos Grimm, ouvir atentamente “Ali Babá e os quarenta ladrões” ou “Chapeuzinho Vermelho”, ou mesmo as sérias composições de Heródoto ou Josefo: tudo é riqueza que deve ser preservada. 

Chegamos ao Século XXI. Depois das metamorfoses e das convulsões pelas quais passamos nos séculos XIX e XX, particularmente neste último, estamos declarando que resolvemos voltar ao primitivismo e ao estágio pré-humano em que os evolucionistas creem. A bestialidade está à solta e, junto com ela, vemos o ocaso de algumas evoluções de nossa história – não a evolução da espécie, mas a evolução social – como, por exemplo, a capacidade intelectual e criativa. A imaginação está morrendo e em breve será totalmente sepultada, pois aquilo que morre, desaparece totalmente. E parece que os algozes da inteligência humana farão de tudo para apagar a sua memória dentre nós, já que memória evoca narrativa e esta, contação da história em si. Quando a memória acaba, quando a imaginação desaparece, quando a habilidade de entreter com a narrativa some, o que sobra é o caos intelectual. Nesses casos, a coisa mais comum é o arremedo. O arremedo é a caricatura malfeita de quem não consegue fazer igual ao original e que não tem habilidade suficiente para criar algo que seja permanente e tão bom quanto a primeira obra. 

Do que estou falando? Da herança dos movimentos pós e hipermodernos, que acham que criam enquanto arremedam, acham que crescem enquanto encolhem, acham que libertam enquanto aprisionam – a si mesmos e aos demais. O esvaziamento intelectual de nossos dias gera uma percepção distorcida da realidade, até porque ela, que tem a ver com verdade, não é mais considerada. O pano de fundo para essa comprovação tem a ver com aquelas criações e conquistas acima mencionadas. Surgem, então, os arremedos não criados aclamados pelos tolos como se fossem obras-primas da criação, recheados que estão de constatações do apequenamento intelectual dos sábios deste universo acabrunhado em suas mesmices: e quem não concorda é taxado de alienado, com alguns jargões que vão desde o burguês opressor até o cristão fundamentalista.  

Pois bem: os contos e narrativas de nossa história estão sendo distorcidos pela indústria do entretenimento. Ao serem distorcidos, tornam-se outra coisa. E entenda-se por entretenimento nesse contexto aquilo que torna a pessoa idiotizada perante um texto, uma tela na sala ou no cinema, um teatro, ou até mesmo uma sala de aula. Infelizmente a ideia distorcida de entretenimento está chegando com força aos púlpitos de muitas igrejas. Esta semana muito se falou sobre o novo lançamento de um grande estúdio cinematográfico em que a Bela e a Fera (ou a Bela e o Monstro, para nossos amigos portugueses), o belo conto de Gabrielle-Suzanne Barbot (de 1740), reestilizado como o conhecemos por Jeanne-Marie LePrince de Beaumont, (em 1756) que sobreviveu por 277 anos desde sua primeira apresentação, mas que, finalmente, foi assassinado por quem não teve imaginação para criar outra coisa. Tudo para empurrar goela abaixo uma ideia de aceitação totalmente amorfa e fora do contexto da obra, que é a relação homoafetiva entre dois personagens, conforme alardeado pelo diretor do remake do filme. 

A imaginação morreu quando o homem perdeu o direito de sonhar. Perdeu o direito de sonhar quando fez a família virar motivo de chacota a partir da última metade do século XX. Perdeu o direito de sonhar quando resolveu achar que questões de gênero por “direitos conquistados” e por leis assinadas podem modificar a biologia humana. Perdeu o direito de sonhar quando resolveu aprisionar o Direito e a governabilidade sob a égide políticas opressoras, como o marxismo de Estado. Perdeu o direito de sonhar quando resolveu descristianizar o ocidente e perder totalmente sua identidade (vejam, por exemplo, o Canadá, um dos países hoje mais sem identidade que existe). Perdeu o direito de sonhar quando passou a defender criminosos e a libertar opressores, ao passo que aprisiona o pobre e o desvalido. A boa imaginação morreu. Nossa sociedade está doente e quer adoecer todos nós. E todos esses, tolos como são, acham-se muito sábios. Por essa razão as narrativas foram deformadas, já que antes ensinavam bons costumes e boa moral, mas que agora precisam endossar a malignidade de uma sociedade em desconstrução e autodestruição. Fica o alerta: os que acham que vieram dos primatas na evolução hipotética estão se tornando amebas numa involução percebida

 
Deus nos chamou para sermos diferentes disso. Podemos ser sábios para Deus, mas isso nos fará tolos para esses que se acham sábios, mas que são totalmente tolos e perdidos aos olhos de Deus e dos nossos. O sábio de Provérbios disse que não se deve ser sábio aos próprios olhos, e a contraposição disso é temer ao Senhor e apartar-se do mal (cf. Provérbios 3.7). Lendo Paulo vemos que a Escritura nos torna sábios, como ele disse a Timóteo (cf. 2 Timóteo 3.15). Se somos sábios, recusamos a tolice que vem deste mundo. Por isso, aconselho você no temor do Senhor: não encha sua mente com aquilo que subtrai sua sabedoria e enche você com as tolices deste mundo. Não se debruce diante da TV ou da tela do cinema para se alimentar com mensagens avessas à Escritura, torcendo pelo adultério ou pela perversão dos personagens. Não queira ser simpático ao mundo, pois ele quer matar sua inteligência e sua imaginação, além de ver você de forma patética diante da vida. Seja livre em Cristo e jamais será prisioneiro das tolices deste mundo. Encerro com Paulo falando à Igreja da Galácia: “Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão.” (Gálatas 5.1) 

Seu pastor, Rev. Joel Theodoro  

Joel Theodoro

É pastor efetivo da Ig. Presbiteriana do Bairro Imperial, no Rio de Janeiro, RJ. Integra o ministério Charles Simeon Trust no Brasil e é docente nos seminários Martin Bucer (SP) e SETECEB (Anápolis) e na Faculdade Presbiteriana Mackenzie-Rio. Bacharel em Letras (UFRJ), em Filosofia (CETAI) e em Teologia (Filadélfia). Mestre em Ciência da Literatura (UFRJ), Doutor em Ministério (RTS/CPAJ) e Doutorando em Letras Clássicas (Estudos Interdisciplinares da Antiguidade, UFRJ). Casado há 30 anos com Roberta, é pai de Gabriel e Rafaela.

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