Voltando às origens do pão e do vinho

Há alguns meses o Conselho da nossa igreja resolveu retomar uma prática que há muito vem sendo conturbada no meio cristão evangélico: o uso dos elementos tradicionais na Santa Ceia. Com base no que foi debatido e assentido, o Conselho houve por bem retomar o uso dos pães sem fermentação elevada e do vinho, sabidamente os símbolos bíblicos do corpo e do sangue de Jesus Cristo. 

Quanto ao pão, foi resolvido manter o uso constante dos pães do tipo “árabe”, ou “sírio”, como normalmente conhecemos os pães de baixa fermentação e sem adição de sabores, sal ou açúcar. Este elemento não traz contendas ou confusões no meio evangélico, mas retomamos o seu uso para manter mais próxima a simbologia da insipidez dos momentos que anteciparam a morte física do Senhor, sem prazer ou alegria no sentido humano. Sem gosto, sem satisfação. Por esse motivo, foi resolvido que vamos evitar o uso de outros pães, como o pão de forma ou quaisquer outros que tragam sabor, afastando nossos sentidos de seu real simbolismo. Dizemos “evitar”, porque não condenamos igrejas ou ministros que não se importem com isso, e até podemos usar esses pães num caso de necessidade. A resolução do Conselho busca conduzir a igreja para mais perto das sensações relacionadas ao momento descrito na Escritura. 

Quanto ao vinho, no entanto, há muita controvérsia não na Escritura, mas no meio evangélico. Assim, o uso do suco de uva jamais será pensado por nós como pecaminoso, mas voltamos ao simbolismo mais antigo porque ele, realmente, nos aproxima do texto da Palavra de Deus. Biblicamente, o mesmo Deus que nos dá o pão para nos fortalecer interiormente é o Deus que nos dá o vinho que alegra o nosso coração, e isso juntamente com outros alimentos importantes na Palavra, como o azeite e as demais plantas para o nosso serviço (Sl 104.14,15), a tal ponto de Provérbios nos dizer que uma das bênçãos do Senhor é a abundância de vinho dada ao seu povo (Pv 3.10). Isso não libera ninguém para se embriagar, e o mesmo livro deixa claro que o mau uso do vinho conduz à maldição (23.29–35), além de a mesma Escritura também condenar veementemente a embriaguez em textos como Ef 5.18 ou Gl 5.21. 

Uma das querelas é no sentido interpretativo. Há alguns que dizem que há palavras diferentes no hebraico para vinho fermentado e vinho não fermentado. Infelizmente, no entanto, isso não procede, pois o vinho necessariamente passa por fermentação, ao passo que a bebida extraída das uvas sem fermentar não é vinho, mas suco. O mesmo termo hebraico para o vinho (yayin) que embebedou Noé, Ló e tantos outros, foi dado por Melquisedeque a Abraão, era mantido nos estoques reais e era permitido ao povo em geral. Quando chegamos ao Novo Testamento, Jesus Cristo institui a Santa Ceia e, naquela noite, ele fala do “cálice” e do “fruto da videira” (Mt 26.29; Mc 14.25; Lc 22:18). Na instituição, Jesus elevou um cálice com vinho: não havia refrigeração na Palestina daqueles dias e a técnica da pasteurização só foi desenvolvida quase dois mil anos depois e, com isso, o suco precisava ser consumido na hora. Não há referência de Jesus transformando algo em suco fresco. Tanto que assim que a Igreja de Cristo começou a praticar a Santa Ceia que Jesus instituiu, o ensino apostólico precisou refrear os que queriam se embriagar na Ceia (1Co 11.21) o que, sabemos bem, não é possível com suco de uva. E, como diz Brian Abshire, “o suco de uva fermenta-se rapidamente em vinho. É o processo de fermentação que estoura os odres velhos. É o álcool no vinho que, quando usado corretamente, eleva espíritos quebrantados, e torna os tristes, alegres. A embriaguez é proibida pois é uma dissipação; em vez disso, devemos ser cheios do Espírito (Ef 5.18). O álcool no vinho é um retrato do Espírito Santo.” 

Ainda baseado em Abshire, como tudo que vemos na Criação, o vinho é carregado de símbolos, apontando para algo maior e superior, um retrato das bênçãos que procedem de um relacionamento correto com Deus (Is 25.6; Is 27.2) e uma figura da nova vida em Cristo (Is 55.1). Jesus usou o vinho como um símbolo da habitação do Espírito Santo, o qual não pode ser limitado pelas velhas tradições (Mt 9.17). Possivelmente esse é o motivo pelo qual o primeiro milagre que Jesus realizou diante dos seus discípulos foi transformar água em vinho. (João 2.9-11), e isso serviu para chancelar publicamente o seu ministério terreno, demonstrando não apenas seu senhorio sobre a Criação, mas também um retrato fiel do que o Messias faria em seu ministério, ou seja, fazer de elementos comuns e sujos (água era praticamente intragável naqueles dias) e transformá-los em algo maravilhoso e cheio de simbologia espiritual. 

Assim como falamos antes do pão, o vinho também traz simbolismo intenso. O amargor, o choque gustativo o sabor forte: tudo isso remete ao momento de sofrimento do Cordeiro de Deus em seu sacrifício, ao mesmo momento que nos remete à alegria do Espírito Santo, particularmente a que vem após a ressurreição: a alegria da vida chegando aos eleitos na revelação de Cristo aos chamados na eternidade pelo Pai. A simbologia bíblica conecta o vinho ao sangue de Jesus, derramado em meio a sofrimento por nós, ao mesmo tempo que nos remete à alegria que seguiu à sua morte, numa clara conexão com a vitória sobre a morte na sua ressurreição. Por isso, também vamos evitar o uso suco de uva, para mantermos vivo o real simbolismo. Como explicamos antes, não condenamos igrejas ou ministros que não se importem com isso, e até podemos usar o suco num caso de necessidade.  

Seu pastor, 

Rev. Joel Theodoro 

Joel Theodoro

É pastor efetivo da Ig. Presbiteriana do Bairro Imperial, no Rio de Janeiro, RJ. Integra o ministério Charles Simeon Trust no Brasil e é docente nos seminários Martin Bucer (SP) e SETECEB (Anápolis) e na Faculdade Presbiteriana Mackenzie-Rio. Bacharel em Letras (UFRJ), em Filosofia (CETAI) e em Teologia (Filadélfia). Mestre em Ciência da Literatura (UFRJ), Doutor em Ministério (RTS/CPAJ) e Doutorando em Letras Clássicas (Estudos Interdisciplinares da Antiguidade, UFRJ). Casado há 30 anos com Roberta, é pai de Gabriel e Rafaela.

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