Atos chega ao capítulo 9 de modo muito especial: é quando o grande pregador Paulo, antes Saulo de Tarso, é chamado à conversão pelo Senhor Jesus, tornando-se uma narrativa das mais emblemáticas de toda a Escritura. Como pano de fundo, a igreja de Cristo já existia, estava em plano início de perseguição, já enfrentava problemas internos, já tinha acomodação espiritual, bem como demonstrava coragem e poder do Senhor enquanto se consolidava em Jerusalém e começava a sua expansão a Samaria, norte da África e outras partes do mundo conhecido de então. Na verdade, entre os capítulos 8 e 12 Lucas descreve detalhadamente o crescimento da igreja do Senhor.
Quando passamos do versículo 20, o que temos é um retrato do que deve nortear a igreja de todos os tempos e eras: temos que ser uma igreja que prega a Palavra de Deus, uma igreja que leva cura aos enfermos e desvalidos e uma igreja que leva vida onde há morte. Se mantivermos tudo isso certamente seremos uma igreja aprovada por Deus. Precisamos entender, acima de tudo, que das três áreas, a única da qual não podemos nos isentar jamais é a pregação, visto que o socorro de Deus, conquanto maravilhoso, não necessariamente redundará em vida eterna: somente a Escritura mostra ao caído qual a medida do chamado de Deus.
Atos 9.23 diz que foram “decorridos muitos dias”, durante os quais os judeus viam maneiras para matar Paulo. Quando o próprio apóstolo relata esse momento aos irmãos da Galácia, ele esclarece que isso se estendeu por longos três anos, e depois de ele ter ido à Arábia: “Tampouco subi a Jerusalém para ver os que já eram apóstolos antes de mim, mas de imediato parti para a Arábia, e tornei a voltar a Damasco. Depois de três anos, subi a Jerusalém para conhecer Pedro pessoalmente, e estive com ele quinze dias.” (Gl 1.17-18). Ora, entendemos que Paulo estava começando seu ministério e que ele, entre sua conversão e a ida a Jerusalém, tinha necessitado de três anos para que algum traço mais concreto de seu chamado fosse realmente observado. O começo de seu ministério, no entanto, não foi tão fácil como poderíamos supor, pois, motivado pela perseguição dos judeus, que montaram uma espécie de cerco à cidade, Paulo teve que descer pelos muros de Damasco, num exemplo muito próximo da descrição dos espias descendo pela corda a partir do eirado da casa de Raabe, que também ficava sobre o muro da cidade.
Logo em seguida surge pela segunda vez em Atos a figura de “José, a quem os apóstolos deram o sobrenome de Barnabé, que quer dizer filho de exortação, levita, natural de Chipre”, que tinha um campo e que, “vendendo-o, trouxe o preço e o depositou aos pés dos apóstolos.” (Atos 4.36-37). Sabemos que ele se chamava “o filho da exortação”, mas foi exatamente esse que pegou e conduziu Paulo até a presença dos apóstolos, pois todos em Jerusalém ainda estavam desconfiados de que Paulo pudesse estar tramando algo para prendê-los e mata-los: e, vejamos, já se passavam pelo menos três anos desde que ele havia se encontrado com o Senhor Jesus. Barnabé foi instrumento de Deus para que houvesse aceitação dos irmãos com relação a Paulo, o que foi extremamente importante para o início de seu ministério pastoral e apostólico.
Com esses episódios do capítulo 9, gostaria que nos lembrássemos de duas lições importantes para a nossa vida com Deus. A primeira delas é a importância da paciência em nosso preparo para fazer com excelência a obra de Deus. Certamente Paulo tinha muito conhecimento da Escritura do AT, uma vez que ele tinha um preparo acima da média como pensador judeu antes de sua conversão ao Senhor. Ocorre que o que trazemos conosco ao nos convertermos pode ser uma excelente ferramenta para colaborar com o nosso futuro ministério, mas não é o preparo exigido para a pregação do evangelho. Assim, um cantor ou pessoa famosa que se converte não deve em pouco tempo pregar, ou mesmo “dar seu testemunho” sem que antes tenha um bom tempo de maturação da sua fé cristã e seja devidamente preparado em sua forma de pensar como cristão. Paulo esperou. Todos nós precisamos esperar: isso deve ser considerado um privilégio antes de um atraso. Fazer a obra de Deus de qualquer jeito e por nossas próprias forças tira de nós a perspectiva correta do que é ser servo submisso ao Senhor. Vamos acreditar nas pessoas quando se convertem, mas, para o próprio benefício da vida espiritual delas, vamos ajudá-las e gastar o tempo necessário em seu preparo.
Em segundo lugar, temos a lição que nos foi deixada por Barnabé. O versículo 27 é encantador: enquanto todos temiam Paulo, coube a Barnabé o privilégio de confiar em Deus e reconhecer que a transformação vem dos altos céus ao coração humano. Sabemos que Deus é soberano em seus atos e totalmente poderoso para fazer com que todo o seu decreto seja realizado na história. Mas podemos nos perguntar: o que teria sido de Paulo se não tivesse existido um Barnabé? Ele não é mencionado sequer trinta vezes em todo o NT, não escreveu nenhum texto canônico, nem plantou igrejas conhecidas. Paulo, por outro lado, é mencionado quase 170 vezes, sem contar as cartas que escreveu e se tornaram canônicas e as inúmeras igrejas que plantou no entorno do Mediterrâneo. Precisamos aprender que um pequeno gesto pode representar a abertura para grandes ministérios: para Deus, tanto Barnabé quanto Paulo foram filhos preciosos e os trabalhos foram levados à presença de Deus como trabalhos em cooperação.
Deus fale ao seu coração de modo intenso e guarde você.
Seu pastor,
Rev. Joel Theodoro