Somente por Cristo
“Porque eu, mediante a própria lei, morri para a lei, a fim de viver para Deus. Estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim.” “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo.” “Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (Gálatas 2.19-20; Romanos 5.1; João 14.6)
Um dos ideais básicos da Reforma foi recuperar a centralidade de Cristo na vida da Igreja e em tudo aquilo que fazemos. Vida, testemunho, culto público e privado, trabalho, estudo: tudo deve ter Cristo como centro e tudo precisa dar glória ao Senhor Jesus. Além disso, há a recuperação da ideia central da salvação feita exclusivamente pelo ato vicário de Cristo na cruz sem que nada além disso seja acrescentado como coadjuvante ao processo de redenção.
A Confissão de Fé de Westminster diz que “Aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.”1 Essa confirmação de nosso símbolo de fé demonstra claramente a centralidade da pessoa de Cristo e o seu preponderante papel na redenção do povo escolhido por Deus desde “antes da fundação do mundo”2, pelo que somos dependentes exclusivamente de sua obra de salvação. Na sequência, a mesma Confissão encerra o capítulo dizendo que “Cristo, com toda a certeza e eficazmente aplica e comunica a salvação a todos aqueles para os quais ele a adquiriu. Isto ele consegue, fazendo intercessão por eles e revelando-lhes na palavra e pela palavra os mistérios da salvação, persuadindo-os eficazmente pelo seu Espírito a crer e a obedecer, dirigindo os corações deles pela sua palavra e pelo seu onipotente poder e sabedoria, da maneira e pelos meios mais conformes com a sua admirável e inescrutável dispensação.”3
Ora, a centralidade de Cristo e seu papel único e exclusivo estão na base, na raiz do pensamento protestante. Uma vez que nos lançamos de volta à Escritura (Sola Scriptura), ali encontramos a razão de nossa base de fé, sem que nenhum magistério eclesiástico possa dispor de interpretação particular (cf. 2 Pedro 1.204). Por exemplo, um dos textos que fizeram toda a diferença para a retomada desse conceito é o que diz em referência a Jesus “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.”5 Assim, os reformadores nos deixaram um legado de recuperação da verdade bíblica que tinha sido obscurecida pelas tradições de uma religiosidade que, ao longo de séculos, foi se distanciando daquilo que os apóstolos tinham ensinado à Igreja em seu início.
Por outro lado, os ofícios exercidos completa e perfeitamente por Cristo, de Rei, Profeta e Sacerdote, foram um duro golpe na hegemonia do Papa, que teve sua autoridade absolutista minada nos lugares em que a Reforma se estabelecia. Isso fez também com que se abrisse o caminho para a confirmação de que todos os crentes são responsáveis por ministrar uns aos outros, o que passou a ser conhecido como Sacerdócio Universal do Crente. Na prática, essas duas revisões deram origem a sociedades livres do jugo do absolutismo de governo quer tivesse ele aspectos civis ou religiosos, além de contribuir abertamente para o desaparecimento do peso que havia pela separação de uma classe sacerdotal em oposição aos “leigos” da Igreja. Adquirir bênçãos a partir de orações e unções especiais pelo clero, receber ordens temporais e até familiares da Igreja, ter nos governos civis ou religiosos uma espécie de “deus intocável”, ter uma religiosidade mística: nada disso faz sentido numa comunidade de fé cristã autêntica. Infelizmente, em muitas igrejas ditas evangélicas de nossos dias, por causa da enorme influência que o mundo externo exerce sobre a Igreja, muitos têm retornado a práticas condenadas pela Reforma e voltam a colocar jugos pesados com respeito a finanças (o crente se vê forçado a contribuir para alcançar o favor de Deus), culto a personalidades (líderes que se projetam de tal forma e com tamanha influência que ele, e não Deus, passa a ser o centro daquela comunidade), misticismo e sincretismo (unção de objetos, casas, animais e comércios; importação de elementos de outras religiões, como água abençoada, flores ungidas, etc), além de muitas outras práticas que afastam essas comunidades da centralidade de Cristo.
A Bíblia e, consequentemente, a tradição reformada nos ensina que não há meio alternativo de chegar a Deus e à transformação de vidas a não ser Jesus Cristo. A impossibilidade de salvação fora de Cristo é expressa de forma muito clara em várias passagens bíblicas, como Mateus 10.32-336, Marcos 16.15-167, João 3.35-368, João 14.69, Atos 4.11-1210. Qualquer outro meio pelo qual se queira chegar a Deus e à salvação que não seja Cristo é meio pecaminoso e odioso a Deus, uma vez que isso representaria uma rejeição ao que Cristo fez em favor exclusivamente dos que seriam salvos.